Homenagem a José Mendonça, da Quinta dos Cozinheiros, um adeus muito especial

José Mendonça, produtor na Quinta dos Cozinheiros, já várias vezes convidado nos Goliardos, e previsto como produtor convidado esta sexta-feira no jantar vínico, faleceu este fim-de-semana vítima de um acidente de viação.

Apresentamos aqui as nossas condolências aos mais próximos e deixamos a nossa profunda homenagem a alguém tão especial.

De Portugal Bairrada Beiras

José Mendonça, a Utopia
“Na minha opinião o “terroir” de um vinho é composto pela casta, pela geologia, pelo clima… mas também pelo Homem.
O Homem, neste contexto, deve ser entendido não só pela sua cultura, mas também pelo seu carácter. Isto é, há influência do meio que o rodeia e que o ajudou a construir o seu conhecimento, mas também da sua personalidade, do seu modo particular de ver e fazer as coisas… A mesma vinha, trabalhada por dois homens diferentes, dará certamente dois vinhos diferentes! Felizmente!”
José Mendonça
in http://www.novacritica-vinho.com/forum/viewtopic.php?t=6788&postdays=0&postorder=asc&start=0

Quando aparecemos para visitar a sua quinta, fez questão de nos dar a visitar edifícios históricos da região para contextualizar o seu vinho. Vinhas na zona da Figueira da Foz, mais precisamente em Marinha das Ondas, a 8km do mar, poderíamos até imaginar que seria algo de recente, mas o José Mendonça mostrou-nos monumentos que provam a presença de ordens religiosas na região desde tempos longínquos que desenvolveram o vinhedo na região e onde há 50 anos atrás se produzia vinhos em quantidades relevantes. As suas vinhas são sobreviventes numa região com história de vinho mas que praticamente deixou de produzir vinho, e quem sabe por isso, o seu melhor vinho se chama Utopia…
José Mendonça para além de um excelente produtor, era um óptimo pedagogo. Possuía o dom e o prazer de explicar de uma forma aliciante e simples o vinho a qualquer pessoa: temos com frequência Goliardos que conheceram o José Mendonça numa prova e que nos vêm falar do quanto apreciaram conversar e o quanto aprenderam com ele.
Formou-se em Engenharia Mecânica e só mais tarde decidiu agarrar nas vinhas da família numa forma de preservar o património que lhe foi confiado. Decidiu viajar por outros países para aprender, trouxe conhecimentos e memórias que contava de uma forma apaixonadamente simples enquanto nos mostrava a adega e a sua casa.
Na escritório da casa de família, tinha uma colecção vasta de livros de viticultura em várias línguas e posters humorísticos ligados ao vinho, que foi recolhendo ao longo da sua vida de produtor, nomeadamente na sua passagem por França e que ía explicando em detalhe cada detalhe. O seu conhecimento profundo do vinho foi resultante de uma vontade de fazer bem, de uma curiosidade em ir ver quem já faz bem, de ler tudo o que podia para saber o mais possível e de uma dedicação feroz em trabalhar para fazer sempre melhor.
Procurava uma identidade local nos vinhos, usando as castas históricas da região (essencialmente Poeirinho em tinto, nome dado à casta Baga nesta zona, Maria Gomes e Bical em branco), realizando uma agricultura biológica, exercendo algumas práticas da bio-dinâmica, que se revelava nos seus vinhos da Quinta dos Cozinheiros pelo perfil cuidado, limpo como dizia, vigoroso, fresco e consistente.
Como descreve no site da Quinta: “É que na Quinta dos Cozinheiros acredita-se que a máquina, apesar de necessária e indispensável em certos trabalhos, não é ainda capaz de escolher a melhor vara, de eliminar o lançamento inútil, de separar o cacho que não vingará, no fundo, de optimizar a colheita em termos qualitativos e sanitários. Por isso se luta para manter a racionalidade do Homem a comandar as tarefas, o conhecimento e a força dos homens para conduzirem e educarem a vinha, a delicadeza e o carinho das mulheres para seleccionarem a melhor fruta, porque temos a certeza que é a partir da vinha que se faz o bom vinho.” (in www.quintadoscozinheiros.com)

Defendia com firmeza a diversidade do vinho, a não standardização, massificação ou “cocalização” do vinho como ele próprio dizia. E tinha esta capacidade rara de ser uma pessoa de ideias afirmadas e minoritárias, de se empenhar em aplicá-las e de conseguir manter uma cordialidade e diálogo com linhas diferentes.
O seu vinho é o fruto do cruzamento de uma longa História de uma região com um homem cativante. O seu vinho Utopia é uma realidade.

José, deixaste-nos bons vinhos, boas conversas, utopias e com certeza saudades. Muito obrigado.
Beijinhos
Nadir e Sílvia, pelos Goliardos

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